Pelos idos dos
anos noventa, frequentei o curso de bombeiros para oficiais, em São Paulo, com
um ano de duração, em período integral. No curso foi-nos apresentado o mestre
em hidráulica, que muito contribuiu para o alto nível do conteúdo didático.
Porém, aluno não perdoa qualquer deslize do professor, no caso, o competente
profissional tinha uma dificuldade em pronunciar, palavras com som de j, em
especial o termo jusante e saía “zusante”. Repetia, com sobejo, a expressão “a
montante ou a zusante?” Por troça, também nos perguntávamos – “ zusante ou a
montante”. Por isso, jamais esquecerei que a montante fica a cabeceira de um
curso d’água e a jusante do lado em que ele vaza.
Caminhando
pelas margens do nosso riozinho urbano, indo de montante para jusante e
voltando da jusante para montante, fico com o coração apertado de vê-lo tão
agredido por pessoas que dependem dele e que, ao invés de olhá-lo com
reverência, jogam nele tudo quanto é espécie de lixo. Lembro-me do tempo em que
ele era fétido e expunha nosso constrangimento, em forma de excrementos a boiar
pela sua lâmina d’água (de montante a jusante). Lembro-me das obras que
acabaram por tubular os nossos dejetos, livrando-nos daquele constrangimento.
Aí os peixes voltaram e as pessoas admiravam os peixes, mas continuavam a jogar
lixo. Então a natureza produziu um evento para nos ajudar a repensar nosso
comportamento com o riozinho e mandou-nos a estiagem de 2014.
Em
vão, tentamos ouvir a cantiga dos sapos, arautos seguros da chuva (sabem mais
que as moças da Globo), e os sapos não cantaram ou cantaram pouco. Veio julho,
não choveu; veio agosto, não choveu. Vai chover em setembro, não choveu e, em
outubro, também não. O riozinho voltou a feder – seriam esgotos clandestinos lançados
nas galerias pluviais? Já houve isso. É um caso para o nosso departamento de
água, chamado de ambiental.
A
água está acabando e vamos ter racionamento, é quase certo. Será que depois,
depois do aperto, da aflição haverá planejamento? É bem incerto.
Um
planejamento bem articulado deveria considerar o que os ambientalistas estão
prevendo para todos nós, terráqueos. Principalmente para os terráqueos mais
pobres, que moram do lado de baixo da linha do equador. Dizem que haverá
períodos prolongados de estiagem e chuvas intensas, de quando em quando. Será
que já estaria havendo? Dizem os mesmos ambientalistas que, em 2025, estaremos
nesse futuro medonho – sem água. O bom planejamento deve considerar a pior das
hipóteses e mais um pouquinho. Será que já deveremos nos coçar ou deixa para
lá. Isso é coisa de quem não tem o que fazer.
E
a solução para nossa água, estaria a montante ou a jusante?
A
montante, temos boas chances de atenuar o problema e até resolvê-lo de vez. A
Represa do Recco está lá, testemunha de uma época de muita água, que
necessitava até ser contida. A represa de contenção está lá ainda, meio
abandonada, meio sem sentido útil, mas está lá e pode ser recuperada e transformar-se
em represa de reserva. Pode ainda conter alguns fossos, formando volumes
mortos, para perenizar o fluxo de água, nos períodos de seca. Mais a montante
da represa, cuidar das nascentes, dos merejos, dos olhos d’água, da mata
ciliar, numa prática moderna, a que se convencionou chamar de “plantar água”.
Procurar os proprietários das terras adjacentes e formar parcerias, conceder
isenção do ITR, enfim buscar soluções, igual ao mote da propaganda do nosso
banco oficial –“bom para todos”.
E
a jusante? Também temos enorme potencial de complementarmos a nossa solução.
Ouvi de uma pessoa, a quem acompanhei, em apoio logístico, nas sondagens de
possibilidades de captação da nossa água a partir do Cachoerinha, que a água
usada do parque aquático, depois de sofrer toda carga de fluidos corpóreos dos
banhistas - sangue, pus, suor, urina, fezes, esperma, saliva, bronzeadores,
produtos de limpeza e demais eteceteras, ainda está apta a, depois de depurada,
ser considerada potável.
Não
se fala aqui em alguns carros pipa, com 8, 10, 15m³ por cessão. A água extraída
sob os nossos pés, pertence a todos nós. Seria justo que, sócios ou não sócios,
tivessem a compensação do seu uso intensivo. Não seria nenhum disparate afirmar
que o clube ou parque construísse uma torre com boa capacidade e recalcasse a
água, mesmo a usada, e a fizesse subir graças à altura manométrica da torre,
por tubos, hoje em PVC, de jusante para montante, ao longo do rio, dispondo-a
na represa de captação, para o devido tratamento. Isso não é caro e,
tecnicamente, é “bico” para um engenheiro civil, experto em hidráulica.
O
futuro prefeito (2017-2020) deverá ter peito e descortino para encarar tal,
esse desafio será o ideal de que necessitamos para iniciar o próximo mandato.
Não pense diferente, o desafio atual é água na torneira, de forma perene, tal
como gostaríamos de ver o nosso precioso Rio Ribeirão Olhos D’água.
No momento, só nos resta a esperar o sapo
cantar. Que o sapo cante com animação, chamando a fêmea para o acasalamento – prevendo
que vai chover e haverá bastante água. Boa farra, sapo!
Explicando:
quis, através do preâmbulo, noticiar que não sou especialista no assunto que
trato, mas possuo algum conhecimento, rudimentos, coletados em vivência
profissional, me permitindo abordar um tema, que pede um tratamento mais
específico e com conhecimento bem além dos meus. Faço-o com o escopo de
contribuir tão somente, sem destoar da realidade ou afirmar falácias ou
impropriedades. Talvez provoque alguma discussão profícua, mesmo me corrigindo
naquilo que afirmo.
Afonso
de Jesus Borges (66) – oficial aposentado da PMESP e do Corpo de Bombeiros.
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